Se me perguntam de onde sou, fico muito em dúvida no que responder. Se tenho um pouco mais de tempo, explico: nasci em Bagé, morei até os 11 anos em Candiota, dos 11 aos 23 em Santa Maria e há três anos moro em Porto Alegre.
Mas se me perguntarem onde me sinto em casa, acho mais fácil de responder: é em Santa Maria. Foi onde vivi mais tempo, onde passei a adolescência, onde aprendi a dirigir, onde fiz faculdade, mestrado, onde namorei, noivei, casei. Fui embora há três anos, tenho ido cada vez menos lá. Meus pais ainda moram em Santa Maria, mas estão prontos para se mudarem para Porto Alegre. Mas quando estou em Santa, não preciso cuidar os nomes das ruas, as preferenciais. Enfim, estou em Santa Maria.
Ultimamente, porém, minha querida Santa Maria tem assistido a momentos tristes das nossas vidas. Há um ano, meu vô adoeceu e faleceu em Santa Maria. A mesma coisa com a minha vó, nove meses depois, no mesmo Hospital de Caridade. Apesar de eles morarem em Bagé, foi a Santa Maria (e a minha mãe e meu pai) que recorreram quando precisaram.
Agora, ninguém da minha família morreu (graças a Deus), mas, no incêndio da Kiss, perdemos mais de 230 jovens. E isso torna o número ainda pior. Eram jovens, estudantes, aspirando e construindo o futuro, e vivendo o presente, divertindo-se em uma festa. E quase a metade era de alunos da UFSM, a universidade que formou a mim e as minhas duas irmãs, meu marido, meus cunhados, e em que estão estudando minhas primas, que saíram de São Paulo para estudar em Santa Maria.
É tudo muito próximo. A boate fica(va) na rua atrás do nosso prédio, da janela de onde já foi meu quarto dava para ver o local quando ainda era o cursinho G10. Depois, construíram o Carrefour e o gigante escondeu o que se tornou a Kiss. Se eu e minhas irmãs ainda morássemos em SM, certamente teríamos ouvido a confusão (assim como ouvíamos com frequência as festas da AABB, uns 50 metros abaixo, na mesma Rua dos Andradas).
Ver nas fotos a rua ali, as placas do vizinho Carrefour e, mais, ver isso na TV aqui nos Estados Unidos, torna tudo muito surreal. Cada vez, neste domingo, em que ouvi os âncoras da CNN e da FoxNews falarem em Santa Maria, com o sotaque estranho, chorei. É a minha Santa Maria. São estudantes da UFSM. São filhos, irmãos, namorados, amigos.
Ainda perdi um colega de escola, meu melhor amigo guri nos anos de Colégio Sant’Anna. Sempre fazíamos trabalho em grupo, ele sempre colava de mim. Ia lá em casa e se prestava a gravar uns clipes que eu inventava para apresentar trabalhos (não, os professores não exigiam).
Nos mudamos para Santa Maria no final de 1997 e no meu primeiro aniversário da cidade, em 1998, quando ela completava 140 anos, fomos “incentivados” a fazer redações sobre a data. Eu, na 6ª série, envolvida com a nova morada, escrevi um texto que foi publicado na revista do colégio. Eu concluía o texto dizendo que o "coração do estado batia forte, desenvolvido e acelerado". Bom, hoje o coração do Rio Grande bate triste e desolado.